12/07/2022

Cheiro de Morangos e Amoras

Cheiro de Morangos e Amoras é um projeto que dei início em meados de 2018. A obra nunca havia sido completada, e agora em 2022, a criatividade que eu tanto precisava finalmente deu as caras.
O que posso dizer? Amei escrevê-la. Diferente do bloqueio que meu eu de anos atrás enfrentou, desta vez as ideias fluíram de forma mágica. Fiquei impressionada como, num único dia, consegui concluir uma obra que por tanto tempo fiquei presa. Foi muito divertido imaginar um cenário rural típico e inserir o Seokjin dentro deste universo.
A história possui uma vibe cottagecore bem característica e eu espero que você aprecie.
Boa leitura <3

[Oneshot]

🍓🌳🫐 

“Everyone can identify with a fragrant garden, with beauty of sunset, with the quiet of nature, with a warm and cozy cottage.” 
— Thomas Kinkade

Estou tão cansada que acho que soltei um suspiro pela milionésima e uma vez hoje! Mas, graças ao meu fiel chapéu de palha, meu rosto não está todo queimado pelo sol. Levanto-o rapidamente para sentir o vento fresco na minha testa e, meu Deus, que sensação incrível! As minhas mãos enluvadas sentem a textura grossa da minha jardineira jeans, cheia de terra úmida, mas eu me sinto tão confortável agora que fecho meus olhos e inalo profundamente o aroma delicioso de hortaliças frescas e adubo orgânico. É quase como se eu estivesse em uma meditação.

Ao me agachar, meus sentidos são invadidos pelo doce aroma de frutas silvestres, que enchem o ar e acalmam a minha alma. Todo o suor e esforço que eu pus nessa plantação valeram a pena! Meu sorriso não poderia ser mais sincero ao ver a beleza do pomar hoje, com o vermelho intenso dos morangos brilhando ao lado das amoras negras e das folhas verdes e saudáveis.

Ah, eu amo essa vida! Não há nada que me faça mais feliz!

Há seis anos atrás meu querido tio Horace faleceu e me deixou como herança a casa na qual eu e meu marido vivemos hoje. Confesso que a princípio não ficamos nada atraídos com a ideia de deixarmos nosso pequeno e prático apartamento no centro de Londres, para virmos para uma construção caindo aos pedaços no interior da Irlanda. Nosso senso de comodidade gritou perigo no exato momento em que viajamos até aqui e a vimos. 

Ainda me lembro da primeira vez em que pisamos na nossa casa. O dia frio e tempestuoso não pareceu um indicativo de boa sorte, e quando descemos do carro e deparamo-nos com um casebre digno de histórias de terror, sentimos que aquela, sem dúvidas, estava longe de ser uma vida equivalente àqueles filmes country norte-americanos — Hannah Montana que o diga.

Se o exterior da casa estava péssimo, o interior estava ainda pior, chegando até mesmo a lembrar, um pouco, a cabana do Rúbeo Hagrid. O piso de madeira estava oco e fazia uns rangidos sinistros tão sinistros quanto tábuas pobres de um caixão enquanto nós e os outros moradores — vulgo camundongos — pisávamos sobre ele. As paredes recobertas por um papel de parede que devia ter sido bonito há décadas atrás, estavam preenchidas por teias de aranha e traças. O mofo, que parecia estar vivo, havia tomado conta de todos os cantos da casa, deixando um cheiro sufocante no ar. O teto possuía infiltrações, goteiras e outras falhas estruturais. A iluminação era tão precária quanto um casebre do século XVII. Nem mesmo o requintado lustre no meio da sala de jantar, a adorável cristaleira vitoriana, a chaminé de tijolos da sala, a banheira de porcelana no banheiro, ou o conservado piano de 1840 conseguiam mudar nossa opinião com relação à casa.

Desconsiderando a possibilidade de ser uma bruxa de histórias infantis, não era o lugar mais desejável e seguro para alguém viver. Era insalubre e arrepiante. Excêntrico e perigoso, no mínimo.

Sendo bastante franca, eu nunca havia sido uma mulher realmente interessada na natureza. Dizer que eu me importava com questões sustentáveis ou consumo consciente seria uma grandiosíssima hipocrisia. Nunca fui de economizar ou reciclar — uma vergonha, eu sei (desculpe, Greenpeace). Jamais havia plantado um mísero grãozinho de feijão em algodão molhado, e a maior parte de nossa comida era pré-pronta. Eu era muito feliz vivendo confortavelmente com acesso a tecnologias e modernidades da cidade grande. Por que iríamos deixar nossa vidinha prática na capital da Inglaterra, perto de shoppings e supermercados de comidas enlatadas e congeladas, para morar em um mausoléu que sequer possuía iluminação ou um aquecimento decente? A resposta parecia mais do que óbvia.

Parecia, mas não era.

Sabe, ainda que a casa estivesse em péssimo estado de conservação, era inegável o quão magnífico era o terreno no qual fora construída — afinal é da Irlanda que estamos falando. Uma vastidão de campos e colinas verde esmeralda que pareciam um cenário dos livros de Jane Austen.

O terreno possui exatamente um hectar, e naquela época era delimitado por uma cerca de madeira e arames. A casa fica exatamente no centro dele, ocupando uma área razoavelmente pequena, considerando toda a extensão de terra. Até hoje me questiono o que motivou meu tio a construir a casa na área mais afastada do terreno, ao invés de tê-la feito mais próxima das extremidades. Acredito que de uma perspectiva mais alta, quem estiver em um helicóptero verá apenas um pontinho solitário no meio de um enorme, e cultivado, terreno verde.

De maneira bastante contraditória, saímos de lá e retornamos para casa com um estranho sentimento de apego àquele lugar. Algo naquelas terras havia despertado em nós algo que jamais havíamos sentido, nem mesmo quando estávamos em nosso apartamento.

Chame do que quiser. Feitiçaria, recordações de vidas passadas, destino… O caso foi que retornamos pra Londres com a certeza irreversível de que naquele lugar havia a resposta para algo que por muito tempo nos faltou.

Seis meses depois, desfize-mo-nos de nosso apê e nos mudamos para cá. Com o dinheiro da venda tratamos de dar início às reformas da construção, ambicionando transformá-la numa agradável cottage inglesa, semelhante com aquelas de cartões postais vintage e pinturas a óleo de autoria desconhecida. Fizemos tudo aos poucos, mas ainda assim valeu a pena.

De início não foi nada fácil se adaptar a todas as mudanças que esse estilo de vida requeriria de nós. Precisáva-mos nos acostumar com o fato de que aqui não tínhamos as facilidades que outrora tivemos. Nós que tínhamos que cultivar nosso próprio alimento, bem como éramos nós que iríamos cozinhá-lo. Foi necessário muito jogo de cintura e auto disciplina para que não jogássemos tudo pro alto e desistíssimos de vez.

Estudamos bastante sobre vida autossustentável e sobrivencialismo, passando a entender melhor como nossas ações impactam o meio ambiente e começamos a fazer escolhas mais conscientes. Começamos a economizar energia, a reciclar mais e a comprar produtos orgânicos locais. Compramos sementes de tudo o que se possa imaginar e aproveitamos ao máximo o espaço ao nosso redor. Fizemos diversas hortas, todas delimitadas e organizadas porque queríamos um jardim de aspecto clássico, permitindo que as plantas se entrelaçacem ou caíssem por cima das cercas. Plantamos frutas, verduras, legumes, grãos e os mais diversos tipos de flores coloridas. Adquirimos variedades locais de macieiras e laranjeiras e as plantamos próximo às hortas. Fizemos também um caminho pavimentado com paralelepípedos e tijolos antigos da própria construção, o qual conduz até a porta de casa e dá um toque elegante e sofisticado.

Boa parte da decoração de nosso jardim foi bem na base da criatividade mesmo. Reciclamos baldes de lata e caixas de madeira e as transformamos em vasos de flores e de tomates-cereja. Um pneu velho se tornou um balanço e um carro-de-mão uma composteira.

Depois de três meses nossos esforços começaram a nos mostrar resultados e colhemos nossas primeiras verduras. A felicidade que sentimos foi indescritível. Ao ver a quantidade que havia rendido, decidimos compartilhar um pouco com nossos vizinhos, já que durante nossos primeiros meses de adaptação à comunidade, eles nos haviam acolhido e ajudado bastante. Criamos uma espécie de companheirismo e respeito mútuo com as pessoas daqui, e isso é incrível. Quando estávamos em Londres, sequer sabíamos quem nossos vizinhos eram; agora, sinto que temos amigos bons e verdadeiros.

O entusiasmo tomou conta do meu marido e ele resolveu dar um toque especial à nossa casa. Ele empreendeu a construção de um pátio externo e ergueu um caramanchão de madeira entrelaçado por flores trepadeiras. Sob sua sombra, um charmoso banco vintage, de aparência rústica e aconchegante, adornado por almofadas vermelhas que remetiam a um tempo passado de alegrias e sorrisos. Ao lado da estrutura, uma fonte solar de pedra para banho de passarinhos que trouxe um ar de serenidade ao ambiente.

O resultado da obra deixou-nos estupefatos. O pátio externo ficou espetacular e, em meio à beleza rústica e bucólica, parecia que a natureza florescia ao nosso redor. Admirávamos o trabalho diariamente e, durante as noites de verão, nos sentamos no banco, desfrutando do ar fresco e da brisa que sopra dos campos verdejantes que nos cercam. Sentíamos-nos em um mundo mágico, onde cada pequeno detalhe fazia uma grande diferença. Tudo foi planejado com tanto carinho que parece que a casa sempre esteve aqui, esplendorosa, radiante e repleta de vida.

Tempos depois, trocamos aquela cerca feia de arames que delimitava o terreno, por um baixo muro de cercas vivas.

Dentro de casa, as coisas também estavam se organizando. Já havíamos reformado o piso, as paredes e o teto. Nosso quarto, cozinha e banheiro já haviam sido concluídos e estavam impecáveis. Trocamos toda a fiação e decidimos instalar uma placa de energia solar no teto, o que nos poupa até hoje muito dinheiro com energia elétrica. Compramos dois sofás macios, um conjunto completo de mesa de jantar, um armário de cozinha e uma mesa de centro; todos lindos, seminovos e à venda por mais da metade do preço em um bazar local — até hoje eu comemoro o quanto economizamos. Precisamos comprar uma geladeira e um freezer novo, já que os que vieram com a casa estavam velhos demais, mas infelizmente não conseguimos nada por menos de 200 dólares — não é sempre que temos sorte. Quanto à parte externa da casa, decidimos adorná-la com rosas trepadeiras enroscadas em treliças, que como uma obra de arte viva, transformou o que antes era imperfeito em algo belo e aconchegante.

Depois disso, foram só avanços e conquistas. Adotamos um cachorrinho de três anos, o Ben — o que ele tem de grande, tem de brincalhão. Decidi aprender piano — afinal de quê serve um Grotrian bem no meio da sala de estar, se os donos não sabem tocar? — e comecei a expandir minhas habilidades culinárias, já que quase sempre era meu marido quem cozinhava e eu tinha certo déficit nessa área. Após muitos erros e frustrações, finalmente minha persistência teve resultados e aprendi a fazer um pão por fermentação natural decente. O sabor que obtive foi um dos melhores que já provei. Superou todas as minhas espectativas e me fez sentir muito surpresa comigo mesma.

O tempo se passou incrivelmente depressa, e hoje eu só sinto orgulho de quem nós nos tornamos. Certamente meu tio, lá do céu, deve estar feliz por termos restaurado a casa de férias dele que por tantos anos foi seu ponto de refúgio.

A música Homeland de Celtic Woman é a perfeita definição da vida que agora vivemos.

— Querida, o almoço tá pronto! — uma conhecida e doce voz masculina me chama, fazendo-me acordar de meu mundo.

Viro meu rosto para trás e me deparo com meu marido, Seokjin, em pé, sorrindo calorosamente próximo à porta de entrada de nossa casa, trajado por uma camisa xadrez simples e uma calça jeans. Ben está ao lado dele, marcando presença com o rabinho balançando alegre.

— Já tô indo, amor — grito de volta, alargando meu sorriso.

Antes de me erguer, recolho a delicada cesta oval de vime que jaz ao meu lado, sobre a grama. Orgulhosa em ver quantas frutinhas ela contém, caminho sorridente em direção à nossa casa.

Chegando na porta, meu marido alarga o sorriso, e eu, com muito bom humor, retiro meu chapéu e deposito um rápido beijo em sua boca, abraçando-o em seguida.

— O que foi? — pergunta ele em tom de riso, apertando-me contra si e fazendo-me sentir a gostosa vibração de seu peito. — Tá tão carinhosa e nem é noite ainda… — ele provoca, embora sua voz permaneça tão macia quanto algodão.

— Estou feliz — sorrio, aproveitando todo contato. — O pomar tá tão lindo! — digo, erguendo um pouco o meu rosto para observar os olhos que me encaram de cima com tanto amor. — Olha quantas frutinhas eu recolhi!

Rapidamente eu ergo a cestinha que carrego, ostentando o grande amontoado de frutas maduras que passei parte da manhã recolhendo.

— Uau! — ele diz, surpreso. — Tudo isso num só dia? É muita coisa! — comemora radiante, alargando ainda mais o sorriso.

— Não é? — concordo, agora desfazendo o abraço e me afastando um pouco para poder olhá-lo. — Vamos poder fazer muitos e muitos potes de geléia — modifico minha voz para um tom mais agudo ao direcionar minha atenção para o cachorro.

O inverno logo chegará, portanto fazer compotas é um ótimo meio de conservar nossas frutas e legumes a longo prazo. Fazemos isso todos os anos e é o que nos mantém bem alimentados nessa difícil estação.

— Uhum. E ainda podemos ganhar dinheiro vendendo alguns no domingo — meu marido propõe e eu assinto em concordância, já que costumamos negociar na carroceria de nossa picape, algumas de nossas hortaliças.

— Vou tomar um banho agora, querido — digo quando finalmente tiro as galochas e ponho os pés dentro de casa. — Daqui a pouco eu vou almoçar. — Não demore muito. Senão a comida vai esfriar. — Pode deixar — sorrio, acaricio Ben e percorro descalça o piso de madeira, indo em direção ao banheiro.

🍓🌳🫐

Com a colher de pau gigante em minhas mãos, mexo incessantemente o conteúdo que borbulha na panela, sentindo o vapor doce e quente se espalhar por toda a cozinha como um abraço reconfortante. Enquanto observo a transformação do líquido rubi em uma geleia cremosa, sorrio para mim mesma, saboreando antecipadamente o prazer que ela trará.

Com cuidado, retiro uma pequena quantidade da geleia da superfície da panela, e com uma delicadeza quase religiosa, despejo-a em minha mão, observando-a deslizar como uma jóia translúcida entre meus dedos. Levo-a aos lábios e sinto a explosão de sabor em minha língua, como um beijo divino.

— Está simplesmente maravilhosa! — exclamo, feliz com o resultado.

Ainda com a colher de pau em minha mão, cubro a panela novamente, deixando a geleia cozinhar por mais alguns minutos, até que atinja a consistência perfeita, como uma promessa cumprida.

A nossa cozinha é bem rústica e aconchegante. A típica cozinha de campo. Possui tudo o que uma cozinha deve ter, incluindo uma larga janela que emoldura nosso jardim, trazendo luz natural e uma vista pacífica para o ambiente. Cores terrosas, muitas canecas e potes de vidro decorados com estampas de flores e cerejas, armários Shaker de madeira, talheres de pau, panelas de ferro, mesa para quatro pessoas com fruteiras e bouquets garnis. Há também um fogão a gás e outro à lenha, que nos dão a liberdade de escolher o melhor método de cozimento para cada prato. E, ao lado da chaleira e da torradeira, um pequeno rádio transmite as soap operas da BBC, transportando-me para um universo de imaginação e fazendo-me sentir como a protagonista de uma história nostálgica — amo cozinhar enquanto escuto radionovelas e me imagino como uma mulher dos anos 50.

Nesta cozinha, cada detalhe é um convite para experimentar os prazeres simples da vida, e cada momento é uma oportunidade para criar memórias deliciosas e duradouras.

Deixo o local e sigo em direção à sala, avistando meu marido sentado no sofá, imerso em um livro que suponho se tratar de um romance policial — assim como eu, ele ama esse gênero literário. Como sempre, ele está usando seus óculos de leitura que, honestamente, só aumentam sua beleza natural. É como se cada página que ele virasse fizesse com que sua inteligência e sex appeal se elevassem ainda mais.

Seokjin é uma beldade que captou minha atenção desde a primeira vez que nos vimos. Não é porque ele é meu marido, mas realmente é um homem com uma beleza que se destaca entre os demais. Possui uma simetria facial que deixaria qualquer modelo de revistas com inveja.

— Está gostando? — pergunto e ele logo ergue o olhar em minha direção.

— Mais ou menos.

— Ué, por quê? — pergunto interessada, sentando-me ao seu lado.

— Porque tem algumas cenas em que a descrição dos eventos é rasa e confusa. A transição de um ambiente pra outro não fica clara. Por exemplo: O protagonista está dentro de uma sala X, à procura de algo; há toda uma narração profunda de como é o local em que ele está, o que tem nele, como o protagonista se sente e etc; até que, do nada, — ele faz um gesto exagerado com as mãos. — o contexto fluido da estória é mudado, de modo que o personagem é “jogado” em um cenário Y. Como o personagem chegou ali? Nem Sherlock saberia! Há segundos a pessoa estava dentro de uma sala completamente trancada, sem quaisqueir meios de fuga e quase tendo um ataque de pânico, até que como num passe de mágica, — estrala os dedos. — ela já está do lado de fora, no quintal. As etapas de como chegou ali, nunca saberemos.

Meu marido sorri com sarcasmo e eu sinto uma onda de ternura por ele.

— Nossa! Como que o autor pôde cometer um deslize desse? Isso afeta toda a experiência da leitura.

— Sim, bastante — ele concorda com muita convicção. — A estória é até legal e criativa, mas deixa a desejar. Fora que também tem umas lacunas que, ao que tudo indica, vão ficar em aberto — suspira, enfadado.

Ele fecha o livro e tira os óculos, colocando ambos sobre a mesa rente ao braço do sofá.

— E a geleia? Como está ficando? Daqui dá pra sentir o cheiro — ele sorri.

— Logo logo estará pronta. Só vou deixar engrossar mais um pouquinho.

— Estava pensando em fazer sopa de legumes e croissant pro jantar. O que acha?

— Ai, eu amei a ideia!

Meu marido é um ótimo cozinheiro. Tudo o que ele faz é sensacional. Tão competente quanto o mais habilidoso chefe de cozinha. Sério, ele é o melhor!

— Pois vou agora mesmo fazer a massa.

— Tá certo.

Eu sorrio animada e então ele dá um rápido beijo em mim.

Com o meu marido já ocupado na cozinha, eu decido que é hora de eu mesma me concentrar no trabalho. Então, ligo o meu computador e começo a trabalhar como freelancer. Passam-se horas e eu mergulho no meu trabalho, completamente imersa na minha tarefa.

Depois de um tempo, sinto um cheiro inebriante invadindo a sala. Olho para o relógio e percebo que já se passaram algumas horas desde que meu marido começou a preparar o jantar. De repente, eu escuto ele me chamando para comer.

Eu me levanto do meu lugar e caminho em direção à cozinha. Lá, vejo o meu marido colocando com cuidado a caçarola fumaçante sobre a mesa. O aroma da sopa de minestrone é tão delicioso que sinto minha boca salivar imediatamente.

Puxo uma cadeira e me sento, feliz por estar prestes a desfrutar de uma refeição incrível. Enquanto o aroma incrível da sopa enche minhas narinas, eu começo a me sentir animada, sabendo que meu marido sempre sabe como me surpreender com suas habilidades culinárias.

Bon appetit — diz meu marido assim que começamos a comer.

— Obrigada, querido.

Eu respiro fundo e sorrio para ele, agradecida pela refeição maravilhosa que ele preparou. A comida é absolutamente divina e eu saboreio cada mordida, apreciando os sabores complexos e ricos. O jantar é a prova de que meu marido é um mestre na cozinha e eu não poderia estar mais feliz e grata por tê-lo na minha vida.

Terminada a sopa, meu marido se movimenta pela cozinha com a habilidade de um verdadeiro chef, preparando a sobremesa. Ele coloca uma cesta cheia de croissants quentinhos sobre a mesa, que imediatamente enche a cozinha com o aroma de massa recém-assada.

Ele também traz um pote com a geléia que fiz, e coloca-o com carinho ao lado dos croissants. Em seguida, ele pega uma garrafa térmica de café fresquinho e derrama um pouco em cada uma das nossas xícaras, acrescentando uma generosa camada de creme.

Sem conter minhas expressões de satisfação, abro o pote de geléia e começo a espalhá-la generosamente por cima do pão. Sinto o gosto incrível da geléia caseira misturada com a massa folhada do croissant e fecho os olhos para saborear cada mordida.

O sabor, meus amigos, é tão bom que me faz querer chorar.

— Tá bom, né!? — Jin fala, claramente surpreendido com a própria comida.

— Uhum! Tá simplesmente divino, amor. Você se superou. Olha essa crocância! — mordo um novo pedaço. — Hmmmmm!

Ele dá uma risadinha feliz.

— Como foi o seu trabalho?

— Foi tudo ok — respondo entre uma mordida e outra. — Fiz uma transcrição de um vídeo de treze minutos. Mais tarde vou enviar um trabalho acadêmico em Power Point que meu cliente pediu até amanhã.

— Que ótimo.

— É, eu adoro esses trabalhos online que pagam rápido. Com o dinheiro que vou receber podemos investir na casa e comprar sementes novas. Estou doida pra plantar couve-de-bruxelas. O que acha?

— Parece uma boa ideia. Seria bom também a gente comprar umas galinhas. Além delas botarem ovos, o que por si só é ótimo, ouvi dizer que elas espantam cobras do quintal.

— Eita, verdade. Nunca havia pensado nessa possibilidade. Mas elas não vão comer nossas verduras? 

— São galinhas, querida, não monstros devoradores. Não vamos criar muitas. Se alimentarmos elas e as criarmos longe do jardim, não haverá problemas.

— Você anda muito mais esperto ultimamente, sabia? — eu ri.

— Bem, eu preciso acompanhar o seu ritmo — piscou o olho de forma galante.

Foi a vez dele sorrir.

E eu juro que eu não sei como, depois de dez anos de casamento, ele ainda consegue me fazer corar com o charme dele.

Depois conversamos sobre um programa que meu marido viu na TV, que mostrava uma técnica diferente de plantio, a qual garantia um aumento na produção em até 30%. Ele explicou com empolgação a técnica e logo começamos a discutir os detalhes, animados com a possibilidade de melhorar o nosso jardim.

Fico pensando em como é bom ter um companheiro tão dedicado e cuidadoso. Não só com a comida, mas também com nossos projetos e sonhos. Mais tarde passamos o resto da noite revivendo a infância assistindo Dragon Ball na televisão em companhia do Ben — esse Kerry Beagle gordo ama ficar deitado no colo da mamãe aqui. Ao ficar cansada daquilo, fui lavar os pratos —, que comeu em seu pratinho de ração bem ao meu lado — e meu marido foi tomar banho.

Terminados meus afazeres, me despedi de meu cachorrinho — a casinha dele é na cozinha — tomei um banho relaxante e fui pro quarto, onde jazia meu marido sentado na escrivaninha ao lado da cama. Ele geralmente faz isso todas as noites. É o momento pessoal dele em que analisa as finanças da casa e também responde a emails de clientes através do notebook dele.

Eu definiria nosso quarto como um refúgio aconchegante de cores pastéis, papéis de parede floridos e móveis vintage. Uma atmosfera bela e serena.

Foi com amor e dedicação que o decorei e mobiliei, escolhendo pessoalmente cada elemento. Em busca de peças únicas e especiais, visitei diversos mercados de pulgas, e foi ali que encontrei o armário e os demais móveis que compõem o quarto. Com minhas habilidades artísticas, dei vida nova a cada um deles, com pinceladas cuidadosas e refinadas. Inspirando-me na mobília clássica francesa, trouxe um toque de elegância e sofisticação, sem perder o charme e a autenticidade. O resultado final foi extremamente satisfatório, e hoje nosso quarto é um espaço que nos traz felicidade e tranquilidade.

Decidi não atrapalhar meu esposo e fui em direção à penteadeira fazer meu ritual noturno de cuidado com a pele — afinal, meus tão temidos trinta anos chegaram. Coloquei Clair de Lune pra tocar baixinho em meu celular, e passei longos minutos em frente ao espelho, tentando suavizar as marcas de expressão que aos poucos a vida vem me dando.

Quando termino o que vinha fazendo, meu marido já está na cama, ao que tudo indica, se divertindo ao me assistir de longe.

— Você sabe que não precisa se preocupar com esse tipo de coisa, né? Você é linda e envelhecer é completamente normal.

— Amor, por favor, não começa — digo assim que me deito na cama.

É fato, envelhecer é perfeitamente normal e não precisa estar atrelado a coisas ruins. Sei disso e aceito que os trinta chegaram pra mim. Isso, entretanto, não significa que sou obrigada a aceitar de braços cruzados os efeitos do envelhecimento.

Diferentemente do meu marido, que foi abençoado com uma genética sensacional, a qual não permite que ele tenha quaisquer rugas em sua pele de porcelana — mesmo ele não tendo quaisquer zelos —, eu preciso me cuidar.

— Só estou querendo deixar claro que não me importo se você estiver envelhecendo — ele explicou. — Mesmo se você estivesse com setenta anos, com rugas na testa, flacidez no corpo, parkinson e osteoporose, eu ainda assim te acharia a maior gostosa.

O comentário dele, juntamente com o olhar safado, me fazem gargalhar.

— Essa por acaso é uma daquelas táticas masculinas pra convencer nós, mulheres, a fazer sexo?

— Que ideia, querida. Fui cem porcento sincero em cada uma das palavras que disse — diz ultrajado. — Mas se você estiver afim, ah… estou inteiramente à disposição.

Ele morde os lábios em meio a um sorriso candente. Os cabelos castanho escuro caem sobre a testa dele, dando-lhe um ar sexy e despojado. A camiseta que veste está com os quatro primeiros botões abertos, expondo desde o seu proeminente pomo de adão, à clavícula saliente e os músculos de seu peitoral largo.

Seokjin é um homem lindo. Muito, muito, lindo.

Quando analiso meu marido, não consigo evitar me sentir a mulher mais sortuda do universo. Não me refiro somente à aparência dele, — acreditem ou não, isso não é um fator tão relevante para se amar alguém — mas sim na personalidade dele, no geral. É simplesmente incrível a capacidade que meu marido tem de me fazer sentir uma mulher especial. É carinhoso e paciente. O modo como sempre prioriza o diálogo e companheirismo em nosso relacionamento, certamente é uma das coisas pelas quais eu mais o respeito e amo.

Homens e mulheres, aprendam com o meu marido!

Nosso primeiro encontro foi algo mágico, e não poderia ter acontecido em lugar melhor: no trabalho. Ambos éramos designers, cercados pelas mesmas amizades, e nos divertíamos nas saídas noturnas com a turma. Até que um belo dia, a chama do amor se acendeu em nossos corações. Admitimos nossos sentimentos em uma festa da empresa, em um momento tão espontâneo e romântico que parece ter sido tirado de um filme. Seis meses depois, tivemos a certeza de que queríamos passar o resto das nossas vidas juntos. Nós nos casamos jovens, ele com 24 e eu com 22 anos, em uma cerimônia familiar simples, mas que foi repleta de emoção e significado. Desde então, temos sido esse casal feliz, unido e apaixonado que você vê. Embora ainda não tenhamos filhos, estamos felizes em nossa vida a dois e acreditamos que a experiência de sermos pais chegará em seu tempo certo.

Depois daquele comentário nada inocente do meu marido, nem preciso dizer que nos beijamos e fizemos amor com o fogo de dois adolescentes apaixonados. A noite foi regada por carícias e trocas de afeto. Quando o nosso ápice chegou pela segunda vez, abraça-mo-nos e ele beijou o topo de minha testa, confessando o quanto me amava.

Depois de uns dois minutos, eu disse:

— Amanhã precisamos acordar cedo pra ir vender os potes de geleia na feira local.

É, eu mal acabei de fazer amor com o meu marido e já comecei a falar sobre trabalho. Acho que é nesses momentos em que eu percebo que, de fato, sou uma adulta com responsabilidades.

— Quantas unidades, mesmo? — ele pergunta, um tanto sonolento.

— 253.

Respondo em estado semelhante ao dele, embora o tom de minha voz denuncie meu orgulho. 253 potes de geleia é um recorde. Na última vez havia rendido um total de 150. A cada vez crescemos mais.

Oh, legal — fala como um surfista viciado em gírias e outras coisas.

Depois de anos casada com ele, percebi que é o modo como meu marido costuma se comportar quando está muito perto de cair no sono.

— Jin, vou apagar a luz, tá? — eu sorrio pra ele.

— Uhum.

— Boa noite, querido — aperto no interruptor.

Ele murmura um boa noite arrastado e logo em seguida afunda o rosto na curva do meu pescoço, dormindo quase que instantaneamente no local.

Um tanto adorável, confesso.

Em meio ao escuro aconchegante do quarto eu repasso os acontecimentos do dia enquanto passo meus dedos entre as sedosas mechas de cabelo de meu marido. Desde que passamos a morar aqui, seu cabelo passou a ter o cheiro de nossas frutas silvestres. Passar as noites abraçada consigo, enquanto inalo o aroma oriundo de seus fios, é meu bálsamo. Junto a ele, me sinto protegida.

Não sei ao certo por quanto tempo fiquei acordada, só sei que fui dormir com a certeza de que o futuro ainda há de nos reservar numerosas alegrias e conquistas. Enquanto estivermos juntos, sei que nada irá nos parar.

“Life is a gift. Don’t forget to live it.”
Nicola Yoon, Everything, Everything.

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