30/06/2022

Sobre Histórias de um Contador e um Novo Amor

Esse aqui estava entre um dos meus projetos inconclusos de 2018. Lembro-me como se fosse ontem quando comecei a escrevê-lo. Tenho um carinho muito grande por essa obra e sinto que acabei refletindo um pouco da minha personalidade e inseguranças da época em que eu ainda estava no colégio.
Sinto que amadureci muito mais desde então, e quando releio essa obra me sinto estranhamente saudosista(?) Não sei dizer se é esse sentimento exato, mas o que posso afirmar é que sem dúvidas é um dos textos que mais carrego uma carga emocional.
Nunca faço dedicatórias, mas essa aqui eu decido ao meu eu de quatro anos atrás.
Nicole, você chegou muito longe. Meus parabéns <333


 [Oneshot] 

“I believe the best way to begin reconnecting humanity's heart, mind, and soul to nature is for us to share our individual stories.” — J. Drew Lanham 
 
↶*ೃ❁⸙͎۪۫˙¸❀ะ⊹↷ ˊ-

De olhos fechados eu respirei profundamente, inalando com prazer a pureza do ar úmido que já fazia anos que não tinha o privilégio de sentir. Meus pulmões acolheram-no saudosamente, de modo que me fez sentir ser abraçada e preenchida pela natureza à minha volta. Em minha mente as lembranças da última vez em que estive ali, quando era apenas uma sonhadora adolescente recém-saída do ensino médio, vieram à tona tal como a fresca, suave e nostálgica brisa de primavera que naquele momento acariciava meu corpo, como se magicamente exorcisasse minha alma de todos os meus pecados e decisões impensadas resultantes de uma vida estressante. O farfalhar dos numerosos e altos eucaliptos espalhava a presença olfativa de suas folhas, que mesclavam-se ao ar de maneira harmoniosa, tal como uma sinfonia musical Mozartiana, a qual não me incomodaria em passar o resto de meus dias ouvindo. O coração entre minhas costelas parecia aliviar a dor que há alguns minutos atrás carregava consigo, naquele momento enviando-me mais sangue para o cérebro e, consequentemente, clareando a minha mente até antes nublada como um céu em dias chuvosos.

E eu senti o aperto sufocante que até então havia em meu peito sumir, me permitindo sentir o conforto de meu próprio respirar. Um sorriso involuntário estendeu-se em minha boca, pois toda a exaustão e ansiedade que me torturavam, pareceram ser enviadas para um continente a milhas de distância, o que fizera com que toda a minha atenção se direcionasse única e exclusivamente para a paz e tranquilidade que preenchia todo o meu ser. A minha realização pessoal era lá. Naquele lugar. Afastada dos meus problemas e do estresse constante da cidade grande.

Ao abrir meus olhos, meu sorriso se alargou ainda mais, pois a felicidade que naquele momento me preenchia era indescritível. Custava acreditar que tudo era real e que não se tratava de apenas mais um de meus devaneios cotidianos. Observei as nuvens em meio ao céu alaranjado e viajei por ele, apreciando demoradamente as cores crepusculares que pintavam com graça e maestria as folhas e galhos dos eucaliptos, assim como o gramado verde em que pisava com meus tênis. Em meus ombros o peso da mochila começava a incomodar, trazendo-me novamente para a realidade. A verdade era que eu não saberia dizer há quanto tempo estava parada ali. Segundos ou até mesmo minutos não pareciam fazer qualquer impacto em meus pensamentos. Estava onde queria estar, e aquilo era o que mais importava, embora eu precisasse reconhecer que já não sabia por quanto tempo aguentaria permanecer em pé. 

Conformada com meu próprio cansaço dei um último vislumbre para o céu, agora mergulhado na calorosa e intensa beleza dos tons laranja e carmesim, e com minhas mãos enterradas nos bolsos de minha calça, caminho compassadamente sobre a calçada do parque, lembrando-me do passado; dos bons momentos que vivenciei na adolescência, antes de enfrentar as intempéries da vida adulta.

Minha paz, entretanto, foi abalada quando os agradáveis cheiros de pipoca amanteigada e churros que circulavam pelo ar chegaram até mim. A fome deu as caras e eu nada pude fazer para evitá-la. Diante disso resolvi que o melhor a ser feito era comprar algo para comer. 

E logo estava em frente a um pequeno carrinho de pipoca, cujo vendedor se tratava de um simpático velhinho de boina preta na cabeça, que após me vender um grande saco de pipoca, sorriu gentilmente e me agradeceu pela compra, me fazendo sentir como uma verdadeira garotinha durante um agradável passeio ao parque de sua cidade.

Com um sorriso de satisfação em meu rosto permaneci a caminhar tranquila, deleitando-me com o frescor do vento que soprava contra a minha face e contra a quente sacola de papel que com prazer segurava em mãos. Em minha boca o salgado sabor do milho e da manteiga dançava sobre a minha língua, instigando-me a fechar os olhos para aproveitar tudo o que a vida tinha de bom a me oferecer. 

E permaneci assim, ouvindo o som de minha própria mastigação enquanto andava naquele calmo ritmo pela passarela do parque, observando as crianças que corriam alegres e altivas para brincarem nos tanques de areia e nos escorregadores, próximos às fontes d’água que irrigavam os jardins de flores do parque.

Me peguei sorrindo novamente ao sentir a energia positiva que aquele ambiente proporcionava, me fazendo reviver a esperança de que podia ser feliz sem precisar de muito.

E em meio a todos esses pensamentos, direcionei o meu olhar para frente, me deparando com algo que chamou a minha atenção.

A alguns metros de distância, um círculo de pessoas estava sentado sobre a grama. Eles interagem entre si como bons amigos, visto que de onde estava era capaz de ouvir risadas e falatórios. Consegui ver que havia alguém, sentado exatamente no centro entre todos eles, que parecia se divertir ao contar-lhes algo.

O interesse prontamente me lambeu a espinha, e não demorou muito para que eu caminhasse em direção ao pequeno grupo para ouvir um pouco sobre o que conversavam.

Com poucos metros andados tudo ganhou nitidez aos meus olhos. O que antes era um pequeno ruído de sons desconexos ao longe, convertia-se em palavras compreensíveis aos meus ouvidos. Meu olhar curioso passeou por cada uma das pessoas sentadas. A roda de conversa não chegava a ultrapassar vinte pessoas, e constatei que a grande maioria de seus participantes eram senhores e senhoras idosas, embora houvesse sim um ou outro com trinta e poucos. Segui olhando mais e mais, analisando rapidamente cada um deles, para em seguida repousar meu olhar sobre o eloquente rapaz sentado confortavelmente de pernas cruzadas no meio entre todos eles.

Quer se juntar a nós?

E sem que eu tivesse tempo o suficiente para processar do que se tratava tudo aquilo, a melodiosa voz do desconhecido cortou o ritmo narrativo que antes mantinha. 

Abruptamente senti a minha garganta secar. Não sou capaz de dizer se havia ficado assim por causa de todo o sal que ingeri até aquele momento, sem a devida reposição de líquidos; ou por causa do sorriso iluminado que o rapaz no meio da roda direcionou pra mim naquele instante. Ou, quem sabe, fosse um pouco dos dois.

Não tinha a menor ideia de quem ele fosse, mas a julgar por sua aparência, soube que era o mais novo entre todos da roda. E me peguei observando as suaves covinhas, que marcavam suas bochechas em meio ao seu sorriso gentil, e que me faziam julgá-lo antecipadamente como sendo um cara legal. Convenhamos, ninguém consegue ter primeiras impressões ruins de pessoas que possuem covinhas, principalmente quando eram tão adoráveis quanto as que via no momento.

Pisquei e então olhei de um lado a outro, tentando ter certeza de que ele estava mesmo se dirigindo a mim. Vendo que só havia eu ali, cheguei à óbvia conclusão que, de fato, ele falara comigo. Eu realmente não queria chamar atenção, mas no final das contas foi exatamente o oposto. 

Ele pareceu se divertir com minha reação, arqueando a sobrancelha e sorrindo com uma pitada de humor. 

— Por que não? — sorri e prontamente caminhei rumo a um pequeno espaço que uma senhora havia acabado de reservar pra mim. Sentei-me e rapidamente as pessoas voltaram a atenção para o rapaz no meio deles. 

— Obrigada — eu agradeci baixinho pela gentileza da mulher ao meu lado, enquanto cruzava minhas pernas e colocava minha mochila sobre meu colo. 

Senti uma carga de alívio me atingir depois que me acomodei. Eu havia ficado muito tempo em pé. 

 — Não há de quê — ela respondeu com um pequeno sorriso que exibia suas suaves ruguinhas no canto dos olhos. 

 — Seja muito bem vinda ao nosso clube de histórias… — ele falou, aguardando que eu completasse com meu nome. Apresentei-me e ele logo prosseguiu. — Prazer em conhecê-la. Eu sou o Namjoon, mas pode me chamar de Nam se quiser. Todos aqui me chamam assim — ele sorriu descontraído. — Nesta roda de conversa a gente basicamente se entretêm falando sobre nossas histórias e experiências de vida. Aqui você tem um passe livre pra desabafar e contar coisas que talvez não tenha como revelar a seus filhos, irmãos ou colegas de trabalho. Também não há quaisquer problemas em contar histórias fictícias, caso queira — alargou o sorriso. — Antes de você chegar, eu estava falando sobre o dia em que vivenciei uma experiência paranormal durante uma noite de domingo, no quintal da minha casa.

— Soa como uma história e tanto — eu disse. — Quero ouvir! 

— Pois muito bem — ele prosseguiu com satisfação. 

E assim, Nam continuou sua inusitada história de suspense, dando uma breve retrospectiva, para que eu pudesse me situar no cenário em questão, e depois voltando para a parte em que havia parado, quando, segundo ele, havia se encontrado, no horário da meia noite, com o espírito da antiga moradora da casa em que ele estava vivendo. Uma anciã de 83 anos que habitara ali sozinha por mais de seis décadas, até finalmente morrer, sem a companhia de ninguém por perto.

Concentrado em nos passar com riqueza de detalhes tudo o que ocorreu naquela assustadora noite, nem mesmo eu, que me considero valente, consegui evitar um calafrio ante tamanha tensão criada por ele ao decorrer de cada pausa dramática. Ele é um ótimo narrador, pois fez todos à sua volta encararem-no em silêncio, com expectativa igual à minha; ansiando por saber em que tudo terminava.

Só sei que no final estava eu e a maioria dos ali presentes, com lágrimas de emoção, tristeza e medo brilhando nos olhos. Tocada com o desfecho que tudo teve, quando o fantasma finalmente retornou pro mundo do além, mal consegui evitar o choro — em parte, também atribuído à TPM. Pensei na minha avó que teve a sorte de ser bem cuidada e amada quando estava viva, diferentemente de muitos outros velhinhos por aí, que infelizmente são maltratados até pelos filhos e netos. Saber que havia tantos casos como aquele no mundo, me fez ficar reflexiva, e acho que a proposta do grupo de conversas é justamente essa: escutarmos os erros e acertos um do outro, de forma que possamos aprender com eles e não repeti-los.

Depois de algum tempo, um senhor se voluntariou para contar algum evento de sua vida, o que foi uma deixa para que a mulher sentada ao meu lado perguntasse com simpatia: 

— Você não é daqui, é? Seu sotaque é um pouco diferente.

— Nasci nesta cidade, — sorri, um pouco cansada. — mas a deixei na infância. Hoje sou apenas uma turista — expliquei e a senhora ao meu lado me ouviu com interesse. — Aceita? — ofereci do meu lanche, que àquelas alturas já estava frio, e ela educadamente o recusou. — Quem é ele? — discretamente me referi ao Nam, que estava em silêncio, compenetrado quanto ao que o homem falava. 

— Ah, esse rapaz — ela apontou em direção a ele com o queixo, sem disfarçar o afeto que por ele nutria. — vem aqui todo final de semana nos alegrar — sorriu suavemente. — Ele não só nos diverte contando histórias, como também ouve os nossos problemas e nos aconselha. Quem dera que meus filhos fossem como ele.

Em seus olhos verde-musgo o carinho transbordava.

Ele era realmente alguém especial e de personalidade admirável. Que tipo de cara com menos de trinta anos, nascido em uma época de avanços tecnológicos e facilidades cotidianas, doaria um pouco de seu tempo, — que suponho eu, estaria gastando em maratonas de séries da Netflix — em atividades ao ar livre, entretendo gratuitamente desconhecidos; em sua maioria pessoas de meia idade e idosos, e escutando seus problemas? Ele de fato é uma raridade em meio à nossa época. 

— Ele deve ser uma boa pessoa — comentei e a senhora ao meu lado sorriu em concordância. 

 — Sim, ele é.

Tendo dito isto, calamo-nos e voltamos a escutar as experiências de vida de um amável senhor chamado Froy, cuja história tratava-se de Mila, que resumidamente foi o maior amor de sua vida. Sabe aquelas histórias dignas de romance do Nicholas Sparks? A dele foi exatamente assim. Foi uma paixão daquelas que marcam e nunca esquecemos. Dos lábios dele consegui captar toda a ternura com a qual dizia o nome dela. Emiliana certamente foi agraciada com um marido que a soube valorizar, e ainda que o amor deles não tenha durado muito — mal haviam completado seis meses de casados quando ela faleceu de câncer enquanto ele estava combatendo na Segunda Guerra Mundial — certamente foi algo que valeu a pena ser vivido.

Não irei me estender contando a história pois já chorei o suficiente e estou farta de sentimentalismos, mas ao fim de tudo — quando eu e todos os outros enxugávamos nossas lágrimas, inconformados com o quão dolorosa a vida pode ser —, Froy nos disse que nenhuma felicidade ou dor é eterna. Haverá invernos rigorosos, mas em contrapartida, o calor da primavera sempre virá. Dia após dia viveremos momentos que nos farão questionar a nossa existência no mundo. Porque isso é estar vivo. E estar vivo é um presente que devemos valorizar.

Foi uma verdadeira aula de gratidão, amor e superação. Me senti dentro de uma sessão terapêutica no tempo em que ouvia-o falar com tanta paz sobre os próprios sentimentos. Não captei nenhuma mágoa ou arrependimento em sua voz. Nele tudo que havia era um ar de sabedoria e plenitude de alma. 

Pessoas como ele são o que me revitalizam e fazem encarar a vida com mais positivismo. Vivem tantas aflições e tormentos mas continuam invictos, sem nunca deixar de sorrir. Sem nunca perder sua essência.

Genuínos.

Genuinidade por muitos anos foi algo que me faltou. Me comparava incansavelmente com os outros e tentava ser como eles. Sempre fui muito autocrítica e em minha concepção, nada que eu fazia era bom o suficiente para estar à altura dos outros ao meu redor. Todos pareciam ser dotados de tantos dons e virtudes, enquanto eu… Ah! eu era uma mera garota cujas inseguranças sequer permitiam-me encarar alguém diretamente nos olhos. Pensava que a todo momento estava sendo incriminada. Que todos ao meu redor me odiavam.
Mesmo que aquilo doesse, não me sentia no direito de julgá-los, afinal eu também me odiava

Quando me lembro desses tempos caóticos, sinto um amargor na boca do estômago até o paladar. Tudo isso ocorreu já faz anos, e mesmo que hoje tudo isso se resuma apenas a uma sombra de um passado que já superei, as cicatrizes ainda existem. Acredito que seja quase inevitável não possuí-las uma vez que nos ferimos. Não é porque paramos de sentir uma dor, que não teremos lembranças do quão incômoda ela era. Enquanto possuirmos memórias, esses sentimentos virão.

Contudo, cabe a nós driblá-los e vê-los do exato modo que são: fantasmas à procura da redenção. O passado não pode ser mudado, mas o nosso presente sim. O nosso eu de hoje é que será refletido em nosso amanhã. Devemos aprender a nos perdoar e abraçar quem somos; à espera de um futuro majestoso e ensolarado.

Entre tais pensamentos caminhei ao longo da passarela. A reunião havia acabado, tal como os últimos resquícios do entardecer, deixando somente um céu cor de ameixa. O vento fresco varria as folhas mortas em direção aos bueiros, enquanto o cheiro de eucaliptos tornava-se cada vez mais presente ao meu redor. O amontoado de luzes amarelas ao longe me fazia imaginar vagalumes.

— Será que posso me juntar a você?
Não sei dizer se o tom com que falou havia sido baixo, ou se eram as minhas divagações internas altas demais. O fato foi que a voz me fez sentir uma espécie de formigamento.

Virei meu rosto para o lado e me deparei com Namjoon sorrindo. A proximidade de seu rosto me fez reparar em todos os seus detalhes e… Céus, a aparência dele não era nada mal.

Ele era bem alto, tendo por volta de 1,80. Possuía cabelos cor de mel desgrenhados sobre a testa e a pele morena pêssego. Um nariz ligeiramente achatado e um sorriso encantador que salientava as maçãs de seu rosto ovalado. Seu eye-smile, juntamente às covinhas, eram o seu maior charme. Possuía um ar de verão e de garoto saudável — a pele dele era perfeita, ao ponto de até mesmo brilhar. Tinha estilo despojado, usava argolas prateadas em cada orelha, uma blusa branca de algodão, colar e pulseiras artesanais de sementes, bermuda jeans acima dos joelhos e sandálias franciscanas marrons.

Por mais simples que estivesse vestido, era impossível ser indiferente à presença dele.
— Ah, claro! — tentei mascarar minha timidez com um sorriso descontraído. 

Ele então pôs-se ao meu lado e começamos a andar sobre a calçada em ritmo igual, respirando o ar puro e apreciando a vista.

— Noite bonita. Daria um ótimo wallpaper de celular — ele puxou assunto. 

Um sorriso discreto esticava seus lábios.

— Realmente — concordei. — Fazia um bom tempo que eu não tinha a oportunidade de apreciá-la. 

Diante de mim, em meio a toda a imensidão do céu, pequeninas estrelas cintilavam ao longe. O cenário todo me lembrava de uma arte em aquarela que uma vez pintei; silhuetas negras de árvores abaixo de um céu escuro e policromático.

— Você é nova aqui na cidade? — ele indagou, dessa vez olhando diretamente em meus olhos. Algo em sua voz despertou em mim sutil nervosismo.

— Na verdade não. Vivi até os meus sete anos aqui.

— Está muito diferente em relação ao que era?

— Você não sabe quanto — eu disse sorrindo saudosista. — A única coisa que está exatamente igual ao que era é esta praça. Parece que entrei num túnel do tempo e voltei ao passado.

Ele sorriu.

— Sempre achei que este lugar tem um quê de magia. Quando passeio por aqui, não importa que horário seja, me sinto revigorado pra enfrentar um novo dia.

Ele compartilhava suas fantasias com um brilho genuíno nos olhos.

— Entendo o que quer dizer. Me sinto da mesma forma — respondi.

Umedeci os lábios, tentando conter minha ansiedade enquanto vasculhava em minha mente um novo assunto.

— Eu amei o grupo de histórias… Foi ideia sua? — questionei interessada.

— Sim, foi ideia minha — anuiu. — Gosto de me conectar com os outros e sempre achei que era necessário proporcionar à comunidade local, algum entretenimento que os fizesse sentir incluídos. Há mais ou menos três meses atrás resolvi criar as rodas de conversa. Chamei alguns amigos meus do clube de leitura e eles, consequentemente, chamaram outros amigos deles — sorriu divertido. — Desde então temos nos reunido todo domingo a partir das 16h30. Às vezes eu trago meu ukelele e nos divertimos com improvisos musicais. Conforme o número de integrantes aumenta, nosso círculo cresce cada vez mais.

Ele falava com desenvoltura. Carinho, até.

— Parabéns, é verdadeiramente incrível.

Eu sorri, de algum modo orgulhosa por saber que foi ele quem deu início a algo tão nobre. Confesso também que o fato dele se interessar por livros contou com muitos pontos a seu favor.

— Obrigado — ele agradeceu, abaixando os olhos ligeiramente acanhado.

Mais confiante, eu prossegui:

— Mas e você? Também é daqui?

Namjoon balançou a cabeça, ao que disse:

— Me mudei pra um apartamento aqui na cidade faz dois anos. Vê aquele pequeno bloco ali? — apontou com o queixo um prédio a mais ou menos duzentos metros de distância de onde estávamos; eu assenti. — É lá que eu vivo.

— Você mora bem pertinho daqui. Que conveniente. Tem uma vista incrível daqui do parque.

— É, eu adoro isso — ele sorriu. — Quando tudo o que quero é relaxar e espairecer a mente, é só vir pra cá e sentir as vibrações.

— Que inveja. Gostaria de poder escapar às vezes também.

— Onde você mora não existe nenhum lugar que te permita isso?

— Ah sim, existem. A questão é que depois de alguns minutos a realidade volta e o sonho acaba.

Não quis soar depressiva, amarga e nem nada do tipo. Geralmente quando me envolvo em conversas mais profundas, tenho uma tendência a ser mal interpretada como alguém sombria.

Para minha sorte, Namjoon não estava na lista de pessoas que me entendem errado.

— É, sei como é — falou compreensivo. — Antes eu trabalhava como advogado em um escritório no centro da cidade. Recebia um salário incrível e não era o tipo de vida com a qual alguém se sentiria em posição de reclamar. Aquela rotina, no entanto, estava acabando com minha saúde física e mental. Cara, era terrível. Eu acordava estressado e ia dormir ainda mais estressado. Descontava minha raiva em todo mundo. Não conseguia separar minha vida pessoal e profissional nem mesmo aos finais de semana. Era sufocante, e no final do dia, ao invés de chegar em casa satisfeito, eu me questionava se estava vivendo uma vida que valia a pena ser vivida.

Enquanto andávamos eu prestava atenção em cada uma de suas palavras. Sua história me lembrava bastante a minha própria.

— Um dia, — ele parou de andar e umedeceu os lábios. — simplesmente não consegui mais seguir em frente. Eu estava acabado. Iria enlouquecer se passasse mais um dia trabalhando naquela empresa — respirou fundo. — Inspirado por um documentário de pessoas que decidiram melhorar de vida, reuni coragem e decidi deixar aquela vida pra trás e recomeçar longe dali — ele sorriu pra mim, os olhos carregados de positivismo. — No final, eu me mudei pra cá e reconstruí minha vida. Ainda exerço minha profissão de forma independente, mas agora sei estabelecer meus horários. Estou saudável e feliz como há tempos não me sentia — disse em tom intimista.

— Que ótimo, fico feliz em saber disso — sorri. — Foi muito valente de sua parte.

— É, acho que foi um pouco. A gente nunca sabe ao certo o quão longe somos capazes de ir, até sermos postos à prova — ele deu um sorriso. — Às vezes quando eu penso nisso, me surpreendo com o quão determinado que eu estava. A maioria de meus conhecidos viram a minha decisão como sendo estúpida e impensada, mero fruto da exaustão, mas a verdade é que eu nunca pensei tanto a respeito de algo. Considerei cada pormenor antes de fazer aquilo. Não foi nada fácil. Foi… assustador.

O modo como falava me fez supor que não teve a aprovação de sua família em sua tomada de decisão.

— Mas o importante é que você teve a coragem e a iniciativa de tomar uma escolha — eu o encorajei. — Driblou suas inseguranças e fez uma boa decisão.

— É, tem razão. Obrigado. 

 Eu sorri.

— Mas e você? — ele falou sorrindo. — Qual é a sua história?

O modo como ele me olhava fazia, de algum modo, eu me sentir muito autoconsciente de minha própria aparência. Apesar de todas as minhas inseguranças, ao menos eu me reconhecia como uma mulher bonita e atraente.

Perante aquele olhar interessado, minhas bochechas esquentaram. Escondi minhas mãos dentro dos bolsos de minha jaqueta da NASA e encarei brevemente o céu. Era um tanto estranho falar sobre mim mesma e me descrever. Sempre me achei bem chata, sem nada muito relevante a ser compartilhado. Fora que o modo como as frases saíam de minha boca, nunca eram da exata maneira que eu as construía em meus pensamentos; sentia-me patética.

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